São muito comuns em consultórios de pediatras as queixas de alterações do sono na infância, mas quando é necessário se preocupar com o sono da criança?
Popularmente se fala na necessidade de no mínimo 8 horas de sono por dia para uma rotina de sono saudável, mas do primeiro ano de vida até o final da adolescência esse tempo não se aplica e a quantidade ideal varia conforme a idade.
Levando em consideração que o sono tem uma função reparadora no organismo de todo ser humano, para a criança, além de promover esse descanso, também refletirá diretamente na memória, aprendizado e comportamento (desatenção e mau humor), além de que, é durante o sono que o hormônio GH (hormônio do crescimento) é liberado.
Vale destacar que tão importante quanto a quantidade de horas dormidas, está a qualidade do sono para um bom desenvolvimento cognitivo comportamental, emocional e físico.
O tempo ideal de sono das crianças, segundo a Academia Americana de Medicina do Sono segue conforme a seguir:
– Bebês com idade de 4 a 12 meses, devem ter entre 12 e 16 horas de sono (incluindo cochilos);
– Crianças pequenas com idade entre 1 a 2 anos, devem ter entre 11 e 14 horas de sono;
– Crianças em idade pré-escolar com cerca de 3 a 5 anos, devem ter entre 10 e 13 horas de sono;
– Crianças em idade escolar com cerca de 6 a 12 anos, devem ter entre 9 a 12 horas de sono;
– Adolescentes entre 13 e 18 anos, devem ter entre 8 a 10 horas de sono.
Distúrbios do sono na infância
Estima-se que entre 20 e 30% das crianças apresentem alterações do sono da infância até a adolescência.
Os distúrbios do sono podem também aumentar o risco do aparecimento de diversas alterações metabólicas e comportamentais como alterações do humor, déficit de atenção, aumento de peso e alterações no neurodesenvolvimento.
O pediatra tem um papel fundamental no reconhecimento e manejo dos distúrbios do sono e levar as preocupações dos pais relacionadas ao sono da criança em consideração para um fidedigno diagnóstico.
Insônia
É a dificuldade em iniciar o sono, a presença de despertares noturnos frequentes e/ou prolongados ou despertar precoce com prejuízo no dia a dia da criança, como alterações no comportamento, cognição, humor e até socialização.
A causa principal da insônia na criança é comportamental e diversos pontos precisam ser observados pelos pais e pediatras, principalmente os relacionados à higiene do sono.
A TCC (terapia cognitivo comportamental) é o tratamento não farmacológico de escolha e tem mostrado bons resultados em crianças.
O objetivo é promover uma regulação do ritmo circadiano para que a criança possa adormecer de forma independente e tranquila.
Distúrbios respiratórios relacionados ao sono
Apneia obstrutiva, apneia central, hipoventilação e hipoxemia são os distúrbios respiratórios relacionados ao sono que podem acometer também as crianças.
Na criança, a apneia obstrutiva, assim como o ronco, síndrome de resistência das vias aéreas e a apneia central, incluindo a apneia da prematuridade são os distúrbios respiratórios do sono mais comuns.
A Polissonografia é o exame mandatório para diagnóstico nesses casos.
O ronco, por si só, mesmo quando desacompanhado de apneia já pode comprometer o aprendizado, contribuir para a hiperatividade, déficit de atenção e sonolência diurna, além de promover alterações metabólicas como aumento da glicemia e da pressão arterial.
Hipersonias de origem central
É um grupo de distúrbios do sono que possuem como principal queixa uma sonolência diurna sem causa relacionada a outros distúrbios do sono ou um desajuste do ritmo circadiano.
São classificadas como narcolepsia tipo 1, narcolepsia tipo 2, hipersonia idiopática, síndrome de Kleine-Levin, hipersonia secundaria a patologia médica, secundária a medicação ou alguma substância, hipersonia associada a patologia psiquiátrica e síndrome de sono insuficiente.
A narcolepsia é a causa mais comum e de difícil diagnóstico, pois é facilmente confundida com outros distúrbios do sono.
Os sintomas mais comuns são sonolência diurna excessiva, cataplexia (perda súbita de tônus muscular, sem perda de consciência), paralisia do sono ou alucinações no início ou final do sono.
O diagnóstico é feito pela história clínica, Polissonografia e o teste de múltiplas latências diurnas de sono, podendo inclusive haver uma dosagem de hipocretina no líquido cefalorraquidiano.
Distúrbios do ritmo circadiano de sono e vigília
O ritmo circadiano corresponde ao período de 24horas sobre o qual o relógio biológico se baseia.
Nosso relógio biológico se ajusta de maneira harmoniosa em resposta ao ritmo circadiano ao qual é exposto.
Os distúrbios do ritmo circadiano incluem o atraso ou o avanço de fase e o jet lag (distúrbio transitório causado por viagens com diferentes fusos horários).
Cerca de 16% da população adolescente apresenta atraso de fase, caracterizado por um atraso no momento do início do sono, normalmente maior que 2 horas em relação ao desejado ou esperado para o indivíduo.
Esse atraso ocorre normalmente em decorrência de compromissos sociais levando a dificuldade em se levantar pela manhã, sonolência diurna, podendo inclusive, afetar o rendimento escolar.
Várias questões podem estar envolvidas neste processo e um acompanhamento médico para o diagnóstico preciso se faz necessário.
Parassonias
São transtornos que podem ocorrer durante o início do sono, durante o sono ou no despertar e caracterizam por episódios desagradáveis com experiências e comportamentos psicológicos anormais.
As parassonias são mais comuns na infância, tanto as que ocorrem no sono NREM, como o despertar confusional, o sonambulismo e o terror noturno, quanto os que ocorrem no sono REM, como os pesadelos.
O despertar confusional, sonambulismo e o terror noturno costumam ocorrer na primeira metade da noite em lactentes e crianças até cerca de 10 anos de idade.
O pesadelo, por outro lado, ocorre com maior frequência na segunda metade da noite, durante o sono REM, ao qual predominam os sonhos e mais prevalentes em crianças em idade escolar.
A enurese noturna também é considerada uma parassonia e consiste na perda urinária (xixi na cama) durante o sono e após os 5 anos de idade.
O tratamento envolve a educação familiar sobre cada situação e uma intervenção farmacológica está indicada em pouquíssimos casos.
Distúrbios do movimento relacionado ao sono
São distúrbios que cursam com movimentos simples e frequentes caracterizado pelo desejo de movimentar o corpo e aliviar sensações desconfortáveis que ocorrem durante o sono.
A síndrome das pernas inquietas (SPI), por exemplo, pode acometer crianças em fase escolar e adolescentes, afetando não só o sono, mas a atenção, o humor, a cognição e a qualidade de vida.
Cursa com uma necessidade em movimentar as pernas, acompanhada de desconforto, podendo apresentar dores musculares (em 45% das crianças acometidas), que normalmente são associadas a dores de crescimento.
O desconforto é comumente comparado com a sensação de cócegas, energia nas pernas, ou aranhas subindo pelas pernas.
O histórico familiar para SPI deve ser considerado, além do déficit de ferritina e a rotina de sono da criança.
O tratamento farmacológico não está aprovado para o público infantil, mas a reposição de ferritina pode ser realizada quando necessário.
O bruxismo também é um distúrbio do movimento relacionado ao sono e pode cursar com cefaleias matinais, dores musculares e desgaste nos dentes
Como e quando procurar ajuda profissional?
Sempre que alterações do sono na infância levar a prejuízos tanto escolares, como emocional, físicos ou cognitivos, um médico pediatra ou um especialista em medicina do sono deverá ser consultado.
Analisar detalhadamente a rotina de sono e o comportamento poderá auxiliar o médico no diagnóstico mais preciso, para uma medida mais assertiva em cada situação.
Fique atento ao período de sono da criança. Ronco, suor noturno, movimentação em excesso e despertares não são comuns e podem significar alterações na qualidade do sono.
Exames complementares poderão ser necessários, como a Polissonografia, o teste de múltiplas latências diurnas do sono ou testes laboratoriais de sangue.
Cuidar do que chamamos de higiene do sono é primordial. Manter um ambiente sem luz (ou luz baixa), sem barulho, sem eletrônicos, com colchão e temperatura ambiente confortáveis, são mecanismos que ajudam muito a estabelecer uma rotina e melhorar a qualidade de sono.
Fontes:
- http://www.rmmg.org/artigo/detalhes/2626
- https://cdn.publisher.gn1.link/residenciapediatrica.com.br/pdf/v8s1a14.pdf
- https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/disturbios-do-sono-em-criancas-merecem-atencao-especial-dos-pais-e-pediatras/