Ao descobrir o que provoca a síndrome, cientistas abrem as portas para o desenvolvimento de remédios e podem colaborar com as pesquisas para Parkinson e Alzheimer
Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br)
Era começo de 2015 e o funcionário público Marcio Bertolani, 61 anos, estava cheio de planos. Prestes a se aposentar, ele e a mulher haviam acabado de se mudar para um novo apartamento, com direito a varanda gourmet, na Zona Sul de São Paulo. Sonhavam chamar os amigos para animados churrascos e viajar pelo mundo. A primeira parada seria a Itália. Tudo foi por água abaixo quando, em fevereiro de 2015, Bertolani descobriu que era portador de uma doença incurável, da qual nunca tinha ouvido falar: a esclerose lateral amiotrófica (ELA), que paralisava todos os músculos do corpo e era fatal . “Minha vida virou de cabeça para baixo”, diz. “Me senti traído.” A névoa de dúvidas que envolvia o distúrbio neurológico degenerativo começou a ser dissipada com um estudo feito nos Estados Unidos. E a partir da descoberta, que desvendou a origem da síndrome, será possível desenvolver remédios para combatê-la. “Conhecer a origem da ELA pode levar a tratamentos para retardar, parar ou mesmo curar a doença”, afirmou à ISTOÉ Nikolay Dokholyan, professor de biofísica da Universidade da Carolina do Norte e cientista responsável pelo achado.
ESPERANÇA
Acima, Marcio Bertolani, doente de ELA
Abaixo, Nikolay Dokholyan, responsável pela pesquisa.
Bertolani foi diagnosticado após sentir muito cansaço ao realizar exercícios leves na academia. Atualmente, a fraqueza muscular o impede de caminhar longas distâncias, ele perdeu força nas mãos e dorme respirando com a ajuda de um aparelho. Aos poucos, os pacientes ficam paralisados e perdem a capacidade de engolir e falar – mas o tempo para que isso aconteça varia de pessoa para pessoa. O doente mais conhecido é o físico britânico Stephen Hawking, que descobriu que era portador do mal aos 21 anos. Na época, os médicos lhe deram uma expectativa de dois anos, mas mais de 50 anos depois ele vive com a ajuda de máquinas, movendo um músculo no rosto.
A ELA mata células nervosas chamadas neurônios motores, mas até o momento ninguém sabia ao certo como isso ocorria. O estudo descobriu que por trás do problema está uma proteína chamada SOD1. Quando ela se une em grupos de três, chamados trímeros, se torna tóxica e mata os neurônios motores. A pesquisa foi feita com pacientes que possuem variações na SOD1, cerca de 1% a 2% dos casos, mas mesmo pessoas sem mutações na proteína podem apresentar os amontoados tóxicos. “Hoje não sabemos se a doença tem apenas uma ou várias causas, por isso a descoberta não significa que o remédio servirá para todos os pacientes” diz o coordenador científico do Instituto Paulo Gontijo, Miguel Mitne. “Mas abre portas para que se descubram mais formas de tratamento.”
O próximo passo da equipe de Dokholyan será achar substâncias capazes de quebrar os agrupamentos tóxicos ou prevenir que eles se formem, mas o desenvolvimento de remédios ainda deve levar anos, dizem os cientistas. Infelizmente, a tecnologia não permitirá melhorar pessoas que já estejam doentes, porque para isso seria preciso regenerar neurônios afetados. A metodologia usada no experimento ainda permitirá tirar conclusões semelhantes a respeito de outras doenças degenerativas, como o Parkinson e o Alzheimer. “Seria decepcionante se os resultados demorassem a aparecer”, afirma Bertolani. “Mas é uma esperança para quem não tinha panorama, não tinha nada.”
Foto: FELIPE GABRIEL