Não precisa se esforçar, isso não tem tanta importância. Segundo o psiquiatra americano Allan Hobson, da Universidade Harvard, os nossos sonhos são só um filme de ficção que o cérebro usa como treino para a realidade, aquela que começa quando você acorda. E tanto faz se essa ficção é boba, assustadora ou embaraçosa – o que importa mesmo é o exercício.
Por que sonhamos?
Sonhos nos preparam para o estado de alerta em que entraremos quando acordarmos. Eles reprogramam o cérebro e atualizam nossa capacidade de nos mover, pensar, sentir. São como exercícios que você pratica por pelo menos uma hora e meia a cada noite, durante a fase REM do sono. Quando começamos a dormir, o cérebro diminui sua atividade, mas volta à ativa justamente na fase REM. E aí o cérebro tem de recriar sozinho os estímulos do ambiente que receberíamos acordados.
É como um treino para o dia seguinte, então?
Isso, um treino para a vida. É um estado de consciência, que eu chamo de consciência primária. A secundária é a que temos acordados – ficamos conscientes do mundo exterior e de nós mesmos, temos memória e organizamos pensamentos. Ao sonhar também somos conscientes: temos percepções e emoções, só não reconhecemos que aquilo é um simulacro. É parecido com o que acontece com os bebês. Antes de nascermos, temos um tipo de consciência primária, que também organiza nossos neurônios e estabelece conexões para nos preparar para o futuro.
Mas os sonhos não estão ligados ao inconsciente?
Não. Essa conclusão vem da nossa dificuldade para lembrar dos sonhos. Mas essa dificuldade está ligada à química do processo de ativação cerebral, que muda durante o sono. Quando dormimos, certas substâncias que atuam na comunicação entre os neurônios são desligadas. Nossa memória é dependente delas, e por isso a maior parte dos sonhos não é registrada. Mas sonhar é, sim, um processo do consciente.
Então dá pra dizer que Freud estava errado?
Não dá para concluir isso. Muito do que sabemos agora sobre o funcionamento do cérebro Freud não tinha como saber em sua época. Hoje entendemos a base fisiológica do sonho, o que, por exemplo, não significa que os sonhos não tenham significado psicológico, como Freud dizia.
E eles têm?
Até onde sabemos, só uma pequena parte dos sonhos têm a ver com as nossas experiências. Muito deles é determinado pelo cérebro – ele não sabe se você será atacado ou seduzido amanhã, e por isso precisa se preparar para tudo. Por isso lembrar-se dos sonhos não é tão importante. É como uma caminhada: você não se lembra de cada passo que deu, mas o corpo sabe que se exercitou.
Você tem algum sonho recorrente?
Sim. Estou andando de bicicleta em Londres e tenho na garupa uma tesoura de poda de árvore. Por que uma podadeira? Freud diria que tem a ver com castração ou ansiedade. Mas provavelmente é só uma lembrança que está no meu cérebro e emerge numa combinação aleatória, por motivos que não entendemos completamente.